sexta-feira, 31 de julho de 2020

F L O R E I R A

Uma das coisas que a jardinagem me ensina é que cada queda é motivo para replantarmos. Além disso, noto que a própria queda multiplica. E, quando replantamos, novas e mais fortes raízes nascem.

É claro que é necessário cuidar da terra que receberá a planta. Terras velhas já não têm muito a oferecer. Também importa cuidar do vaso, observar seu tamanho. Não pode ser muito grande - isso também atrapalha o crescimento, nem pequeno. Precisa ser de dimensão adequada, com um pouco de sobra para o desenvolvimento.

Sei ainda que algumas quedas acabam limitando a planta. Os machucados podem resultar em apodrecimento, ou a "poda forçada" pode ser tão intensa que não há mais energia.

Algumas plantas já caíram da minha janela desde que tive coragem de colocá-las por lá. Eu já sabia que ali elas estariam mais ensolaradas e arejadas, porém, temia que caíssem todas. Até que decidi arriscar. Deu certo. Mas, vez ou outra, o vento vem forte e derruba alguma.

Confesso que ainda tenho medo quando vem o vento louco. Depois de uma noite de tempestade, logo pela manhã, olho já aguardando que precise socorrer. E, quando preciso recolher, cuidar e reenvasar, eu me surpreendo com a potência disso.

Então, tento fluir como o vento. Nunca sei quando ele vem... Mas, quando vem, tento não imaginar todas as plantinhas ao chão, espatifadas... Tento lembrar das lindas que se reinventaram na queda e tento lidar com as possíveis perdas.

É difícil... Mas tento seguir assim. 

domingo, 7 de junho de 2020

.

Eu olho as miudezas.
O barulho me desconforta.

Jornada

Eu vou tentando seguir atenta aos encantos.
Eu vou tentando acreditar nas potências.
Eu vou tentando acolher as dores.
Eu vou tentando olhar o imenso horizonte.

Pela vida, vou pela vida.

Sem negar pedras nem períodos áridos,
Eu vou esperançando.

Pela vida, às vezes, gritando.
Pela vida, acreditando.

Pela vida, vou pela vida. 

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Medo - antes da quarentena.

Não quero perder
o florescer das minhas plantas.

Não quero ver
que a flor se foi

- e nem a olhei.

Tem dias que o cansaço
parece maior que a vida.

Tem dias que a vida parece
um passeio de trem

- com as janelas fechadas.

Tem dias que tudo
parece só cumprir. 


- Escrito em 10 de fevereiro de 2020.

Deserto

Cadê
Sua presença,
Seu riso,
Seu canto?

Parece que não se faz mais comigo.

Cadê
O que conta,
Contesta
E sonha?

Sinto falta do seu peso.

Cadê
O inédito,
O encontro,
Você?

Absorta

Estou completamente envolvida em mim.
Sou grande.
Muito mora em mim.

Contemplar

O céu que muda
A flor que morre
A brisa que cessa
O sol que se esconde

O riso
O abraço
O gozo
O instante

O agora
Disposto
Único
Insubstituível

domingo, 8 de março de 2020

Nossa Oração

Sim!
Somos diversas.
Mas, na nossa unidade,
só nós conhecemos nossas...

dores,
dúvidas,
dádivas,
descontentamentos...

Somos muitas.
Somos
a mãe solo,
a avó,

a engenheira,
a faxineira,
a militar,
a militante,

a LGBTQI,
a que não é daqui,
a letrada,
a marginalizada,

a cuidadora,
a pesquisadora,
a presidente,
a adolescente,

a que pinta as unhas toda semana,
a que fez as pazes com seus pêlos,
a de casa,
a da esquina.

Somos diferentes!
Que lindo!
E somos iguais...
Lembrem-se!

Dêem as mãos umas às outras,
clamem por igualdade,
por justiça,
por visibilidade.

Escutem,
validem,
abracem,
cuidem.

Que a gente lembre
da luta de todas as manas.
Legitime suas feridas
e seus gritos.

Já basta aqueles
que se consideram
repletos de "poder",
"majoritários",

Que nos chamam
de loucas,
de sensíveis demais,
de frágeis,

Que nos
sangram,
podam,
calam...

diminuem.

Podemos
nos potencializar

Sempre e juntas!

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Outra

Preciso ir.
Mas aqui é tão paterno.
Sinto meus pés dentro da terra.
Ouço meu avô tocando gaita.

Quero partir.
Mas aqui me lembra o ventre.
As vozes, os calores, as nuvens...
Minha avó no esperar do outro.

Ah... Como deve ser não sentir as dores de pés e de um pensar tão firmes?
Como deve ser ter os nós mais soltos?
Como deve ser usar menos âncoras?

Peito

Meu corpo todo me comunica.
E tem aquele trecho que se revira, encolhe, agita, aquece e, quando se abre, "ah...". Ele é um contestador, uma placa indicativa e um transformador. Tem gente que não o escuta, que só o entende por suas funções mais básicas. Perdem tanto, coitados. 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Prazer, Eu.

Já tentaram me convencer que não devo ser sensível, porque isso dói muito. Já me disseram que sonhar, pensar diferente da maioria e acreditar em mudanças é pueril em demasia. Já fizeram pouco das minhas palavras escritas. Já tive muito e muito medo das minhas palavras ditas. Já me induziram a sentir menos, pensar menos, sonhar menos, escrever menos e falar menos. E eu já tentei. Eu tentei muitas vezes. Não consegui. Desisti. Resolvi ser essa loucura que sou. Uma loucura doce e afiada, muito quieta mas inquieta. Ser alguém pra quem detalhes importam. Ser quem sonha e quem faz. Ser quem não nega sentir. Entendi que devo me encontrar, dar as mãos, me abraçar. Prazer, Eu.

INQUISIÇÃO

Quantas vezes eu me senti culpada quando eu estava sendo assediada? 

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Inadequada

Sou uma garota estranha.

E não se adequar é tão interessante. 

Tempo

Os anos caminham sem negociação. Se eles estão indo embora ou chegando, dependerá das vivências, das construções e do olhar que nos tecem e que acolhemos. Se nos aprisionarão ou libertarão, também.

Tenho 32, 3, 2, 1...

Tenho 32 e, quando meus dedos dos pés tocam a areia, tenho 4. Tenho 32 e, quando minhas mãos encostam na terra úmida, parece que não tenho mais de 7. E quando estou na casa dos meus pais e minha mãe manda eu tomar banho? Continuo com 32, mesmo ela me olhando com 8. Ainda nesse lugar, quando meu pai insiste em me levar ao trabalho, tenho algo entre os 4 e os 10. Meu irmão ainda me caçoa e minha irmã acredita que precisa me proteger... acreditam que não passei dos 9. Quando tomo sol ou corro, fico rubra e com uns 10 anos. Quando encontro alguém um tanto incompatível a mim e o assunto morre, fico ainda mais corada e me sinto com 11. Quando canto e danço, volto aos 5; mas, se é forró, vou aos 14. Às vezes, vejo tanto a mudar e tenho o grito dos 15. Quando coloco o violão no colo e tento - só tento - tocar Engenheiros, acho que tenho 18. Quando olho com encanto meu marido, com certeza tenho 16 ou 21, 22, 23, 24 e assim por diante. Quando tenho uma nova experiência, um desafio... ai, meus 20 e poucos. Eu não deixei de ser quem fui e não estou sempre a mesma. Vivo a impermanência e o continuum, tão satisfatório e cheio, vazio e desejando mais. E vem... vai... vem... vai... 

(quase) sem culpa

Não há tanta submissão mais.
Reconheço a raiva e deixo que flua.

Não posso fechar os olhos.
Não devo me omitir.

Seu exemplo me faz gritar,
ser rebelde,
transformar,
buscar a igualdade

e não tomar o mérito como critério.

Seu exemplo me faz sonhar,
ilumina
e fecunda ideias,
dá forças para lutar,

também me faz descansar e recomeçar.

Por isso, peço:
dá-me sempre olhos claros! 

Flor do dia

Gosto de flores, de sua beleza e de sua qualidade efêmera. Gosto especialmente de quando duram só do nascer ao pôr do sol. Isso me força a entender que é preciso pausar, olhar o que restaura e alegrar-se, e despedir-se. E é necessário lembrar que outras flores virão.

Constatação

Gosto de poesia como gosto da vida: simples, doce, com movimento e com sentido. 

Constatação posterior: Também gosto da casa assim.